quarta-feira, 5 de maio de 2010
Professora morre após ajudar cego a atravessar a rua Mesmo em cima da faixa de segurança, Maria Paula Amaral Leal foi atingida por uma motocicleta
Maria Paula Amaral Leal, 43 anos, casada, quatro filhos, professora de Ensino Religioso, morreu porque voltou atrás em seu caminho para ajudar uma pessoa. Morreu porque decidiu fazer o bem.
Na noite de segunda-feira, ao cruzar a pé a Avenida Benjamin Constant, em Porto Alegre, Maria Paula deparou com um cego que aguardava para fazer a travessia no sentido contrário. Ela estava a uns passos da paróquia onde tinha uma reunião referente à catequese de dois de seus filhos, mas deu meia volta. Tomou o deficiente pelo braço e levou-o com segurança até o outro lado. Tarefa cumprida, começou o retorno. Não chegou ao final. Em cima da faixa de segurança, foi atingida por uma motocicleta.
A caminho da Paróquia São João Batista, na zona norte de Porto Alegre, o artesão e diácono Jorge Ricardo Leal, 48 anos, deparou com um corpo no asfalto e um congestionamento que o atrasou por alguns minutos.
Seguiu adiante. Estava indo à igreja para buscar a mulher, a professora Maria Paula Amaral Leal, 43 anos, em uma reunião da catequese de dois dos seus quatro filhos. Percorreu o templo e não a encontrou. Tentou ligar no celular, mas as chamadas não foram atendidas. Questionou o segurança da paróquia, que também não a havia visto. Então a conversa se voltou para o corpo no leito da Avenida Benjamin Constant, a poucos metros de distância. O vigia contou que era de uma mulher, atropelada depois de ajudar um cego a atravessar a rua. Nesse momento, Leal teve certeza:
– É ela. Está sempre querendo ajudar as pessoas – disse.
Leal pôde fazer esse reconhecimento à distância, por sinais de solidariedade, porque essa era a marca que distinguia Paula – e que foi evocada ontem à exaustão pela multidão que foi ao Cemitério da Santa Casa para despedir-se da professora. Havia também muito de indignação na emoção da despedida. Paula morreu sobre uma faixa de segurança, atropelada por uma moto que, segundo relatos, teria ultrapassado o sinal vermelho.
O acidente ocorreu pouco antes das 20h. A professora saiu de casa a pé. Já havia atravessado a Benjamin Constant e estava praticamente na igreja, quando viu o cego. Interrompeu seu caminho, tomou o braço do homem e, voltando para o outro lado da calçada, ajudou-o na travessia. Foi atropelada quando cruzava de novo a avenida, em direção à paróquia, no sentido Centro-bairro.
– Ela era uma pessoa de coração muito bom. Morreu fazendo um gesto de caridade. Não chega de mãos vazias ao Céu – definiu o padre Luís Antônio Larratea, vigário paroquial da São João Batista, que estava no local na hora do acidente.
Nascida em Torres, filha de um pedreiro, Maria Paula mudou-se para a Capital sozinha, na adolescência, para trabalhar como babá e estudar. O desejo de ser freira levou-a aos 15 anos para um convento em Novo Hamburgo, onde concluiu o Magistério e o Noviciado. Mas decidiu ser professora. De volta à Capital, cursou Pedagogia e fez uma pós-graduação em Filosofia.
Maria Paula deu aulas nos colégios São João e Dom Bosco. Seis anos atrás, chegou ao Colégio Marista Rosário, onde lecionava Ensino Religioso da 5ª à 8ª série e também dava aulas de catequese.
– Era apaixonada pelo magistério e um exemplo de educadora. Ensinava solidariedade aos alunos. Ontem à tarde (segunda-feira), eu estava em um encontro de Crisma no Rosário e só falamos dela, porque o assunto eram pessoas solidárias. Ela foi lembrada como o melhor exemplo – contou a amiga e colega Grace Paula, 47 anos.
A morte de Maria Paula provocou um abalo profundo na escola, que cancelou atividades, compareceu em peso ao sepultamento e acolheu uma infinidade de mensagens emocionadas em sua página na internet. Os alunos lembravam uma mestra adorada.
– Era uma conselheira. A gente podia contar sempre com ela, para qualquer coisa. Era muito mais que uma professora, era como uma mãe – descreveu Bruna Grings, 14 anos, aluna de Paula no ano passado.
Um dos projetos tocados pela docente neste ano abriu os olhos de seus alunos de 8ª série. Para abordar a Campanha da Fraternidade, ela teve a ideia de propor aos alunos a gestão do orçamento de uma família que vive com um salário mínimo, R$ 510. Eles tinham de pesquisar preços e estimar os gastos familiares ao longo de um mês. O impacto da experiência pode ser medido pelos depoimentos que alguns deles deram à assessoria de comunicação do Rosário.
– Vimos que é possível sobreviver, mas fazer outras coisas é impossível. Conseguimos ver na prática como nosso estilo de vida é diferente dos trabalhadores – observou Matheus Gehring, de 15 anos.
– Gastamos muito mais em coisas supérfluas. Geralmente, quando eu pedia coisas pra minha mãe, dinheiro para o fim de semana, por exemplo, eu reclamava, achava injusto, mas agora tenho noção do que é sustentar uma casa e pagar contas – afirmou Elisa Corrêa, também de 15 anos.
Da conscientização, Maria Paula passou para a ação. Os alunos vinham juntando donativos para entregar a famílias pobres da Ilha dos Marinheiros, na Capital. A intenção era levar produtos que um salário mínimo não permite comprar e que essas famílias não estão acostumadas a ter na mesa, como chocolates, balas, iogurtes e sorvete. Hoje Maria Paula iria com alguns alunos à ilha, para entregar as primeiras cestas.
Crescem os óbitos em 2010
Diante de um quadro de aumento vertiginoso dos óbitos nas ruas e estradas do Rio Grande do Sul, que seguindo a tendência atual pode render um terço a mais de vítimas neste ano, mortes como a da professora Maria Paula Leal estão virando gotas em um oceano. Transformaram-se quase em rotina.
Nas estradas estaduais, já são 208 vítimas em 2010. Se o ritmo se mantiver, chegarão a 612 até o final do ano – contra 385 em 2009. A situação nas rodovias federais não é muito diferente: 167 óbitos até 26 de abril, o que dá uma projeção de 525 para o ano, contra 379 no ano passado. Considerando também as vias da Capital, a tendência é de que as mortes em 2010 aumentem 34,5% em comparação com 2009.
A tragédia da professora também lança luz sobre a letalidade das motocicletas em Porto Alegre. Elas são 80 mil na cidade, equivalendo a 11% da frota. Apesar disso, estão envolvidas em 30% dos acidentes com mortes. Em 2000, o índice era de 19,8%.
No ano passado, foram 4.573 acidentes com motos na cidade, um recorde, que deve ser batido em 2010: eles chegaram a 1.208 de janeiro a março. São 517 mortos em acidentes envolvendo motociclistas entre 2000 a março passado, na Capital.
– Um dos motivos são as telentregas. Quem trabalha nisso está exposto a horários apertados e muito estresse, além de não receber uma formação específica para a profissão. Outro fator é o motociclista ficar muito exposto. A moto oferece muito menos equipamentos de segurança do que um automóvel – diz Vanderlei Cappellari, diretor de trânsito da Empresa Pública de Transporte e Circulação.
A morte da professora entrará também em uma categoria estatística que chega a responder por metade das mortes no trânsito de Porto Alegre: a dos atropelamentos. Eles representaram 51% das vítimas em 2008 e 47% em 2009. Neste ano, até março, eram 41%.
ZERO HORA
Na noite de segunda-feira, ao cruzar a pé a Avenida Benjamin Constant, em Porto Alegre, Maria Paula deparou com um cego que aguardava para fazer a travessia no sentido contrário. Ela estava a uns passos da paróquia onde tinha uma reunião referente à catequese de dois de seus filhos, mas deu meia volta. Tomou o deficiente pelo braço e levou-o com segurança até o outro lado. Tarefa cumprida, começou o retorno. Não chegou ao final. Em cima da faixa de segurança, foi atingida por uma motocicleta.
A caminho da Paróquia São João Batista, na zona norte de Porto Alegre, o artesão e diácono Jorge Ricardo Leal, 48 anos, deparou com um corpo no asfalto e um congestionamento que o atrasou por alguns minutos.
Seguiu adiante. Estava indo à igreja para buscar a mulher, a professora Maria Paula Amaral Leal, 43 anos, em uma reunião da catequese de dois dos seus quatro filhos. Percorreu o templo e não a encontrou. Tentou ligar no celular, mas as chamadas não foram atendidas. Questionou o segurança da paróquia, que também não a havia visto. Então a conversa se voltou para o corpo no leito da Avenida Benjamin Constant, a poucos metros de distância. O vigia contou que era de uma mulher, atropelada depois de ajudar um cego a atravessar a rua. Nesse momento, Leal teve certeza:
– É ela. Está sempre querendo ajudar as pessoas – disse.
Leal pôde fazer esse reconhecimento à distância, por sinais de solidariedade, porque essa era a marca que distinguia Paula – e que foi evocada ontem à exaustão pela multidão que foi ao Cemitério da Santa Casa para despedir-se da professora. Havia também muito de indignação na emoção da despedida. Paula morreu sobre uma faixa de segurança, atropelada por uma moto que, segundo relatos, teria ultrapassado o sinal vermelho.
O acidente ocorreu pouco antes das 20h. A professora saiu de casa a pé. Já havia atravessado a Benjamin Constant e estava praticamente na igreja, quando viu o cego. Interrompeu seu caminho, tomou o braço do homem e, voltando para o outro lado da calçada, ajudou-o na travessia. Foi atropelada quando cruzava de novo a avenida, em direção à paróquia, no sentido Centro-bairro.
– Ela era uma pessoa de coração muito bom. Morreu fazendo um gesto de caridade. Não chega de mãos vazias ao Céu – definiu o padre Luís Antônio Larratea, vigário paroquial da São João Batista, que estava no local na hora do acidente.
Nascida em Torres, filha de um pedreiro, Maria Paula mudou-se para a Capital sozinha, na adolescência, para trabalhar como babá e estudar. O desejo de ser freira levou-a aos 15 anos para um convento em Novo Hamburgo, onde concluiu o Magistério e o Noviciado. Mas decidiu ser professora. De volta à Capital, cursou Pedagogia e fez uma pós-graduação em Filosofia.
Maria Paula deu aulas nos colégios São João e Dom Bosco. Seis anos atrás, chegou ao Colégio Marista Rosário, onde lecionava Ensino Religioso da 5ª à 8ª série e também dava aulas de catequese.
– Era apaixonada pelo magistério e um exemplo de educadora. Ensinava solidariedade aos alunos. Ontem à tarde (segunda-feira), eu estava em um encontro de Crisma no Rosário e só falamos dela, porque o assunto eram pessoas solidárias. Ela foi lembrada como o melhor exemplo – contou a amiga e colega Grace Paula, 47 anos.
A morte de Maria Paula provocou um abalo profundo na escola, que cancelou atividades, compareceu em peso ao sepultamento e acolheu uma infinidade de mensagens emocionadas em sua página na internet. Os alunos lembravam uma mestra adorada.
– Era uma conselheira. A gente podia contar sempre com ela, para qualquer coisa. Era muito mais que uma professora, era como uma mãe – descreveu Bruna Grings, 14 anos, aluna de Paula no ano passado.
Um dos projetos tocados pela docente neste ano abriu os olhos de seus alunos de 8ª série. Para abordar a Campanha da Fraternidade, ela teve a ideia de propor aos alunos a gestão do orçamento de uma família que vive com um salário mínimo, R$ 510. Eles tinham de pesquisar preços e estimar os gastos familiares ao longo de um mês. O impacto da experiência pode ser medido pelos depoimentos que alguns deles deram à assessoria de comunicação do Rosário.
– Vimos que é possível sobreviver, mas fazer outras coisas é impossível. Conseguimos ver na prática como nosso estilo de vida é diferente dos trabalhadores – observou Matheus Gehring, de 15 anos.
– Gastamos muito mais em coisas supérfluas. Geralmente, quando eu pedia coisas pra minha mãe, dinheiro para o fim de semana, por exemplo, eu reclamava, achava injusto, mas agora tenho noção do que é sustentar uma casa e pagar contas – afirmou Elisa Corrêa, também de 15 anos.
Da conscientização, Maria Paula passou para a ação. Os alunos vinham juntando donativos para entregar a famílias pobres da Ilha dos Marinheiros, na Capital. A intenção era levar produtos que um salário mínimo não permite comprar e que essas famílias não estão acostumadas a ter na mesa, como chocolates, balas, iogurtes e sorvete. Hoje Maria Paula iria com alguns alunos à ilha, para entregar as primeiras cestas.
Crescem os óbitos em 2010
Diante de um quadro de aumento vertiginoso dos óbitos nas ruas e estradas do Rio Grande do Sul, que seguindo a tendência atual pode render um terço a mais de vítimas neste ano, mortes como a da professora Maria Paula Leal estão virando gotas em um oceano. Transformaram-se quase em rotina.
Nas estradas estaduais, já são 208 vítimas em 2010. Se o ritmo se mantiver, chegarão a 612 até o final do ano – contra 385 em 2009. A situação nas rodovias federais não é muito diferente: 167 óbitos até 26 de abril, o que dá uma projeção de 525 para o ano, contra 379 no ano passado. Considerando também as vias da Capital, a tendência é de que as mortes em 2010 aumentem 34,5% em comparação com 2009.
A tragédia da professora também lança luz sobre a letalidade das motocicletas em Porto Alegre. Elas são 80 mil na cidade, equivalendo a 11% da frota. Apesar disso, estão envolvidas em 30% dos acidentes com mortes. Em 2000, o índice era de 19,8%.
No ano passado, foram 4.573 acidentes com motos na cidade, um recorde, que deve ser batido em 2010: eles chegaram a 1.208 de janeiro a março. São 517 mortos em acidentes envolvendo motociclistas entre 2000 a março passado, na Capital.
– Um dos motivos são as telentregas. Quem trabalha nisso está exposto a horários apertados e muito estresse, além de não receber uma formação específica para a profissão. Outro fator é o motociclista ficar muito exposto. A moto oferece muito menos equipamentos de segurança do que um automóvel – diz Vanderlei Cappellari, diretor de trânsito da Empresa Pública de Transporte e Circulação.
A morte da professora entrará também em uma categoria estatística que chega a responder por metade das mortes no trânsito de Porto Alegre: a dos atropelamentos. Eles representaram 51% das vítimas em 2008 e 47% em 2009. Neste ano, até março, eram 41%.
ZERO HORA
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